Por João Pedro Molina


                                                                    Sandra Bullock e George Clooney no filme "Gravidade"


Olá amigos do Jornal Ciencializando! Dando continuidade à nossa coluna "Pipoca Atômica" vamos analisar um filme de ficção científica que trouxe muita expectativa aos amantes dessa categoria. Vamos lá!

O ano de 2013 parecia revolucionário para filmes sci-fi e Gravidade era um dos mais esperados para o ano, tendo alcançado a 8ª maior bilheteria, o filme recebeu 7 prêmios de 10 indicações ao Oscar. Impactou por sua trilha sonora, fotografia e pela qualidade de seus efeitos visuais, mas chamou a atenção da comunidade científica pelo uso de conceitos e procedimentos científicos exigidos pela trama. O filme é protagonizado por Sandra Bullock (Ryan) e por George Clooney (Matt), que são, praticamente, os únicos personagens da história. Ambos compõe um grupo de astronautas que são mandados pela NASA em missão para instalar um novo componente ao telescópio Hubble.

Durante a empreitada, é um míssil é enviado pela Rússia para destruir um de seus satélites e a explosão leva à uma reação em cadeia, atingindo diversos outros satélites e causando uma nuvem de destroços em direção ao ônibus espacial Explorer o qual transportava Ryan e Matt, deixando-os totalmente à deriva no espaço. A partir desse momento o filme passa a ser um show de tensão, usando e abusando dos conceitos de Quantidade de Movimento em colisões e lançamentos de objetos, ainda, oscila as cenas de silêncio absoluto no vácuo com as cenas de explosão, barulhos e alarmes no interior das naves. Além da sensação de desespero, essas cenas possuem um bom embasamento científico. Você sabia, ou já se perguntou, por que não é emitido nenhum som no espaço?

A resposta é simples! Você já dever ter ouvido falar em ondas sonoras, certo? Pois é! O som é um tipo de onda, mas diferente da luz, que é uma onda eletromagnética e que se propaga em qualquer meio, o som é uma onda mecânica, ou seja, depende de um meio material para se propagar. Como no espaço se encontra apenas o vácuo, não há nenhuma molécula ou partícula de poeira que possa vibrar e propagar a onda sonora. O resultado disso: Silêncio! E é esse silêncio que tornam as explosões ainda mais tensas, centralizando toda a atenção para os detalhes visuais da cena, como se estivéssemos surdos e paralisados frente a situação. É um bom recurso. Notamos que existe um rigor científico, podendo ser observado na maneira em que todo o cenário é ilustrado, desde os trajes e equipamentos espaciais, até a visão da Terra e do espaço vistos a partir da órbita terrestre, trazendo uma bela visão da atmosfera, da aurora polar e da transição entre dia e noite em nosso planeta.

Outro fato elogiável é a forma como são tratados os conceitos de Quantidade de Movimento Linear e Angular e o Princípio de Conservação dessas quantidades nas cenas de colisão entre objetos. De acordo com as definições da Mecânica Newtoniana qualquer corpo de massa m em uma velocidade v possuem uma quantidade de movimento associado a ele, definindo o quanto de massa está em movimento. Linear pois o movimento acontece apenas em uma direção, um eixo, e angular pois o movimento descreve uma rotação, ou seja, descreve um ângulo em torno de um eixo. Se considerarmos um sistema conservativo, ou seja, onde há apenas dois corpos sem nenhuma ação de força externa, essa quantidade de movimento é conservada entre esses corpos.

É como a bola branca em um jogo de bilhar, que ao acertar qualquer outra bola transfere sua quantidade de movimento à outra e essa também passa a se movimentar. No jogo, a bola eventualmente para, pois esse sistema não está isolado e há a ação de forças externas como gravidade e o atrito que dissipam a energia do sistema, fazendo com que a colisão seja inelástica. Ou seja, a energia de movimento associada ao sistema não se conserva. Diferente seria caso houvesse colisão entre as bolas em um ambiente livre de atrito e gravidade, por exemplo, como no espaço. Nesse caso a colisão seria elástica e a energia de movimento seria conservada entre os corpos envolvidos no sistema.

Muitas cenas nas quais os astronautas se movimentam em um ambiente de gravidade zero, fica claro a existência desse princípio. No entanto, é a partir dele é que surgem algumas inconsistências. Há um momento bem tenso em que os astronautas começam a ser atingidos pelos destroços e Ryan é girada e lançada em direção ao espaço sideral, tendo sua velocidade diminuído gradualmente até ser resgatada por Matt. Porém, no espaço, local livre de força gravitacional e do atrito, o que poderia fazer Ryan perder sua velocidade? Nada, a não ser uma força agindo no sentido contrário de seu movimento, sendo assim, a astronauta estaria a mercê da própria inércia e seguiria em movimento retilíneo uniforme sem nunca parar, até sofrer alguma interação com outro objeto no espaço.

       Outro fator que recebeu diversas críticas da comunidade científica é a perda de comunicação entre os astronautas e a base terrestre, uma vez que os satélites de comunicação e o telescópio Hubble se encontram em alturas orbitais diferentes. Altura orbital é a distância em que um objeto orbita a Terra a partir de sua superfície. De acordo com o Catálogo de Órbitas de Satélites Artificiais, do Observatório Terrestre da NASA  (https://earthobservatorynasa.gov/featu\\res/OrbitsCatalog), existem três classes de órbita: alta ou geossíncrona, com altura de cerca de 435.780 km; média, com alturas entre 2.000 e 35.780 km; e baixa, que variam de 180 a 2.000km de altitude. A maioria dos satélites de comunicação possuem órbitas altas, enquanto o telescópio Hubble, onde se passa a missão, está localizado à 223 km de altitude, ou seja, possui uma órbita baixa. No entanto, esse é um erro prático e mínimo que podemos relevar e levantar uma outra discussão. A questão do lixo espacial.

        Lixo espacial é todo ou qualquer objeto inutilizável que se encontra orbitando a Terra. De acordo com o Escritório do Programa de Detritos Espaciais da NASA (ARES Orbital Debris Office Program), foram detectados mais de 23.000 detritos maiores que 10 cm de diâmetro, já objetos entre 1cm e 10cm são mais de 500.000 em órbita e objetos maiores de 1mm de diâmetros passam de 1 milhão! Ainda de acordo com o programa, até janeiro de 2020 foram estimadas cerca de 8 toneladas de lixo espacial! OITO TONELADAS! Muitos desses objetos são ferramentas utilizadas por astronautas, estágios de foguetes ou satélites desativados. Entretanto, uma das maiores fontes de lixo espacial são explosões ou
colisões que ocorrem na órbita terrestre.

         Em 2007, a China destruiu seu satélite meteorológico Fengyun-1C, para testar um míssil antissatélite, gerando inúmeros detritos em alta velocidade. Similar ao ocorrido no filme. Posteriormente, em 2009, um satélite norte americano de comunicação, Iridium-33, colidiu com o satélite russo Cosmos-2251, já desativado. Esse é o grande problema! Os detritos espaciais colocam em risco a vida útil de satélites operantes, assim como missões espaciais, sistemas ou serviços que dependem de satélites para existir. Além disso, os detritos podem simplesmente perder altitude e reentrar na atmosfera terrestre, causando sérios danos, ainda que haja pouca probabilidade. 

        No geral, Gravidade possui uma trama simples. Astronautas perdidos e sozinhos no espaço que precisam superar o impossível para sobreviver. Por mais que possua excelentes efeitos especiais e cenas bem construídas em plano-sequência., o filme abre espaço para a monotonia de diálogos, forçando as emoções dos personagens. O roteiro poderia incrementar a caracterização da personagem com mais detalhes de sua vida pessoal, nos aproximando de sua tristeza e nos permitindo entender sua solidão. O problema é que o filme não enfoca na vida dos personagens e nem na importância da missão espacial. Na verdade, o filme não se encaixa como ficção científica, ficando no intermédio entre um drama ou thriller científico, já que os conceitos e procedimentos não fogem à realidade. Portanto, ainda que não seja perfeito e apresente certas inconsistências, o filme mais acerta do que erra, sendo injusto classificá-lo como um filme ruim.