Por Laís Lamar Rodrigues e Marcus Vinicius do Prado

 


A computação quântica está cada vez mais presente no mundo moderno. Além de ser um tema recorrente na ficção científica, é muito provável que essa tecnologia logo fará parte das exigências da sociedade futura, uma vez que a física em seu modo clássico tem limitações. É possível até mesmo dizer que os computadores quânticos podem marcar a próxima era tecnológica e estar presentes nos aparelhos eletrônicos do futuro. Mas o quão distante é esse futuro?


Os computadores quânticos são fundamentalmente diferentes dos computadores normais. Enquanto os computadores comuns tem bits que assumem um estado negativo ou positivo (0 ou 1), um qubit (bit quântico) pode ser negativo, positivo ou apresentar um terceiro estado de superposição (onde assume ambos os estados), representando uma capacidade de armazenamento muito maior. Essa superposição ocorre devido ao fato de qubits serem unidades de informação representadas por propriedades físicas que seguem as leis da Mecânica Quântica. Esses computadores dependem do “entrelaçamento quântico” para funcionar apropriadamente, ou seja, em termos leigos, quando dois objetos estão ligados de forma a ser possível conhecer o estado de um a partir do estado do outro. Qualquer perturbação (como o calor ou as ondas eletromagnéticas) pode destruir esse estado de entrelaçamento quântico. Dessa forma, são necessárias temperaturas ao redor de 0,1 Kelvin (≈ -273°C) e condições que isolem os qubits da menor perturbação eletromagnética.


Em 2019, a Google divulgou um vídeo demonstrando seu chip Sycamore, afirmando ter obtido a supremacia quântica. No vídeo mostraram as condições extremas para que fosse mantido esse entrelaçamento quântico com 54 qubits (53 deles funcionando).  Isso equivale à capacidade de armazenamento de aproximadamente 9,01 x 1015 bits, muito maior que qualquer computador comum conhecido.


Em contrapartida, a China afirmou ter construído um computador quântico, chamado Jiuzhang, capaz de processar 10 bilhões de vezes mais rápido do que o protótipo da Google, com 76 qubits. E, diferente do Sycamore, que emprega metais semicondutores refrigerados, o Jiuzhang trabalha com manipulação de fótons, num arranjo complicado de dispositivos ópticos (fontes de luz, divisores de luz, espelhos e detectores de fótons) que transportam as partículas.


Essa corrida quântica já envolve, além da China e da Google, empresas como a IBM, com o chip IBM Q Johannesburg (de 20 qubits), a Intel, com o Tangle Lake (de 49 qubits), e a Amazon (com o Braket) e a Microsoft (com o Azure Quantum), que apresentam um sistema de teste de algoritmos nos computadores quânticos.


Alguns desses computadores já estão até mesmo sendo usados em pesquisas, como é o caso do IBM Q Johannesburg, usado por um grupo de pesquisadores do Laboratório Nacional de Lawrence Berkeley para desenvolver um algoritmo que simulasse um modelo de chuveiro de pártons, que nada mais é do que várias explosões complicadas de partículas produzidas nas colisões que envolvem a produção de partículas e processos de decaimento. Algoritmos assim já são desenvolvidos com a mecânica clássica, como os algoritmos de Monte Carlo acoplados a cadeias de Markov. Entretanto, esses sistemas clássicos negligenciam vários efeitos baseados na mecânica quântica. Assim, o artigo Quantum Algorithm for High Energy Physics Simulations mostrou as propriedades quânticas dos chuveiros de pártons com interferências de diferentes partículas intermediárias. Para isso, foi usada a computação quântica apenas em partes das colisões que não são possíveis de serem simuladas em computadores clássicos, tendo assim dados mais precisos, o que é útil para quando os efeitos quânticos são grandes o bastante para que seja necessário considerá-los. 


Mas, como é possível perceber, trabalhar com um computador quântico exige equipamentos e condições muito complexos e caros. Além de ser necessária uma velocidade de processamento imensa, que ainda não é atingida pelas CPUs existentes. Pensando nisso, pesquisadores das universidades de Loughborough, Nottingham e Innopolis avaliaram como sistemas considerados hipercaóticos, fora do equilíbrio conhecido para operar, podem ainda ser funcionais para processos que envolvem a computação quântica.


No artigo Emergence and control of complex behaviors in driven systems of interacting qubits with dissipation, pesquisadores demonstraram o fenômeno do hipercaos ao modelar o funcionamento dos qubits. Ao utilizar uma fonte de energia externa, o sistema se tornava cada vez mais caótico, fazendo com que os qubits trocassem de estado de uma forma imprevisível e irregular, comum em sistemas muito grandes, com quantidades bem maiores de qubits por exemplo. Mas o que não era esperado foi o comportamento do grau de complexidade deles: ao invés de crescer exponencialmente de acordo com o tamanho do sistema, ele permaneceu proporcional ao número de unidades. Dessa forma, o hipercaos é uma forma mais viável para que cientistas simulem grandes sistemas quânticos.


Os resultados da pesquisa mostraram que um sistema quântico mostra diferentes padrões de comportamento, que são determinados por um número pequeno de parâmetros. Isso quer dizer que, se os cálculos puderem ser apurados de forma geral, será possível determinar valores críticos para esses parâmetros e, a partir de medidas do sistema em si, estabelecer se esses parâmetros permitem que um processador quântico funcione ou não. Além disso, será possível abrir novas portas para o desenvolvimento de ferramentas de criptografia quântica.


Ainda que estejamos numa era de desenvolvimento tecnológico bastante avançada, os computadores clássicos são capazes de executar a maioria das atividades que executamos. Mas, assim como sempre ocorre com a tecnologia, os potenciais avanços podem tornar a computação quântica uma necessidade, pelo menos para operações que exijam capacidade de processamento maior. De qualquer forma, ainda não é necessário um computador quântico para jogar Minecraft ou (pasmem) para abrir mais de duas guias do Google Chrome. Mas, certamente, essa tecnologia acompanhará as necessidades da nova computação mundial.



Fontes: 

https://phys.org/news/2021-01-physicists-hyperchaos-complex-quantum-fraction.html

https://phys.org/news/2021-02-quantum-particle.html