Por Kelvin Santos
Recém doutora em Física pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Rosana Alves Gonçalves possui graduação em Física pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais (IFNMG) e mestrado em Engenharia e Tecnologia Espaciais na área de Ciência e Tecnologia de Materiais e Sensores no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Atualmente realiza pós-doutorado na UNESP na área de Física.
Em entrevista via e-mail ao Jornal Ciencializando, ela nos conta um pouco dos desafios de sua trajetória acadêmica, sua pesquisa e os desafios de ser uma mulher no ambiente acadêmico.
1 - Sabemos que o curso de física é um curso difícil, e que muitas vezes os estudantes têm dificuldades e alguns até desistem. Como foi o seu período de graduação, encontrou dificuldades também?
Drª Rosana : Claro, o curso de Física é sempre um desafio. Eu estudei durante o ensino fundamental e médio em escola pública e, como a maioria dos alunos dessas instituições, apresentava muitas defasagens quando cheguei à graduação.
Os dois primeiros semestres foram os mais difíceis, eu precisei estudar muito para sanar essas dificuldades. Além disso, há todo um processo de adaptação e você precisa descobrir como estudar: qual é o melhor horário, a melhor organização, como selecionar o conteúdo etc.
2 – A senhora tem mestrado em Mestrado em Engenharia e Tecnologia Espaciais, e terminou recentemente o doutorado em Física. A senhora pode nos falar um pouco de como foi o período de pós-graduação? Houve muitos desafios?
No doutorado, eu mudei de instituição e de área de pesquisa, então foi preciso novamente um período para me adaptar ao laboratório. Além disso, no doutorado, eu fui trabalhar em um laboratório mais novo, em crescimento, que ainda não estava com uma infraestrutura completa, isso te obriga a pensar e fazer as coisas de maneira diferente do usual.
No entanto, eu vejo isso como um aspecto positivo na minha formação, eu acompanhei o crescimento do laboratório, a chegada de novos alunos, desenvolvi boa parte dos métodos que utilizamos atualmente, fiz várias viagens de pesquisa de campo noutras instituições, etc. Além de todo o conhecimento adicional, eu adquiri uma visão muito mais ampla sobre pesquisa e o ambiente acadêmico.
Há sempre muitos desafios e dificuldades tanto na pesquisa quanto nas relações institucionais, há uma pressão inerente por resultados. No entanto, eu acredito que é isso que te move no mundo da pesquisa: descobrir coisas novas, entender como algo funciona ou o porquê não funciona, comprovar ou refutar teorias...
3 – A senhora estuda Física Aplicada, com ênfase produção e caracterização de nanoestruturas, na nossa faculdade particularmente, poucos estudantes do curso de física optam pela área experimental. A senhora poderia falar um pouco sobre como é ser uma física experimental, os desafios enfrentados e suas pesquisas?
Drª Rosana : Eu sou bastante suspeita para falar sobre isso, eu adoro ir para o laboratório e fico muito contente quando consigo aplicar um conceito/teoria na prática. Além disso, o fato de você estar continuamente fazendo testes, te permite descobrir e produzir coisas novas. Eu venho trabalhando há algum tempo com síntese e caracterização de nanoestruturas de óxidos semicondutores, no intuito de produzir estruturas com baixo custo e boa qualidade. Além disso, realizamos a funcionalização e desenvolvemos aplicações para as nanopartículas, conforme suas propriedades. Recentemente, temos trabalhado também com materiais poliméricos e compósitos.
Quanto aos desafios, acredito que são tempo e dinheiro. Na área experimental como um todo, você precisa de tempo para elaborar/realizar um experimento, fazer medidas e análises de dados e se, tudo funcionar como o esperado, repetir tudo novamente porque você precisa comprovar que o seu resultado é reprodutível e confiável. Isso requer tempo e dedicação contínua.
A síntese de nanopartículas mais rápida que temos no laboratório, atualmente, requer pelo menos 8 horas de trabalho entre preparação e produção. Além disso, você precisa de espaço físico, de uma boa infraestrutura permanente (equipamentos) para conseguir realizar seus experimentos e de material de consumo (que precisa de reposição constante) para o dia-a-dia, o que requer um investimento financeiro constante no laboratório para mantê-lo em funcionamento. No atual panorama que estamos vivendo, com pouquíssimos investimentos do Governo, isso é um enorme desafio.
Em relação aos alunos de iniciação científica, são muitos fatores, mas eu acredito que aqueles que optam pela área experimental, se sentem um pouco frustrados, porque o resultado não é imediato e acabam desistindo. Além disso, nem sempre é fácil conciliar a carga horária do curso, com o tempo necessário em laboratório.
4 - Recentemente a senhora iniciou o pós-doutorado na área Física, quais são os planos para o futuro? Senhora pretende continuar no meio acadêmico?
Drª Rosana : Eu gosto bastante de trabalhar com pesquisa e tenho me dedicado para permanecer na área. No entanto, eu sou licenciada, trabalhei como professora por alguns períodos durante a graduação e pós-graduação e gosto muito de lecionar. O mundo ideal, seria trabalhar em uma universidade e conciliar ambas as coisas. Mas também não excluo a possibilidade de atuar em outras áreas, se surgirem novas oportunidades.
5 – Sabe-se que o ambiente acadêmico infelizmente ainda é majoritariamente masculino, há uma diferença de tratamento pelo fato da senhora ser uma mulher nesse ambiente?
Drª Rosana : Infelizmente, isso é verdade, especialmente nas ciências exatas. Há um certo machismo arraigado nessas áreas e as mulheres muitas vezes são excluídas e/ou perdem muitas oportunidades por isso.
Começar é sempre mais difícil, inicialmente é comum notar um certo receio, uma intolerância em te ouvir e/ou respeitar suas opiniões. Mas, eu percebo que à medida que percebem o seu comprometimento e a qualidade do seu trabalho, isso é desfeito, o que de modo nenhum justifica ou minimiza o preconceito inicial.
No entanto, de modo geral, eu observo uma mudança de comportamento no ambiente acadêmico, os rapazes têm sido mais receptivos às garotas e, principalmente, as mulheres têm se posicionado mais firmemente e não se sujeitado à essas situações. A situação é longe do ideal, mas acredito que estamos no caminho certo.
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