Por João Pedro Molina
Há alguns anos, durante a graduação, li alguns textos que me fizeram refletir sobre minha vida escolar e sobre o sistema educacional ao qual fui submetido. São dois textos em específico: “O garotinho” de Helen E. Buckley e “Gaiolas ou Asas” de Rubens Alves.
O primeiro traz uma reflexão sobre um garotinho que vai para a escola e sua professora lhe dá instrução de tudo o que deve ser feito. Quando pede um desenho a imaginação do garoto se antecipa, porém, ela exige que seja desenhado flores, lhes mostra como “é” a flor e quais cores deverá usar. “Era vermelha com a haste verde”. Neste processo “o garotinho aprendeu a esperar e a observar. E a fazer coisas como a professora. E logo. Ele não fazia as coisas por si mesmo”. Acontece que, tempos depois, uma outra professora pediu para a turma que fizessem um desenho, mas, diferente da antiga professora, esta não deu instruções. O garotinho esperou: “Mas o que vamos fazer?”, “Como eu farei?”, “De qualquer cor?” e, por fim, “começou a fazer uma flor vermelha, com haste verde” ...
O segundo texto, de Rubens Alves, traz a reflexão de que “há escolas que são gaiolas” e “há escolas que são asas”. Como o próprio texto explica:
"Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono [...]. Já as “escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são os pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar”.
Após essas leituras comecei a relembrar meus tempos de escola, no Ensino Fundamental, no Ensino Médio e até aquele momento, na graduação. Fico pensando, quantos me foram asas e quantos me foram gaiolas. Por sorte, tive mais professores que me incentivaram o voo do que aqueles que me deram, ou tentaram me dar, gaiolas.
Me lembro de alguns colegas de classe, uns com mais e outros com menos oportunidades que eu. Alguns já voam, outros ensaiam o voo, mas infelizmente a maioria deles estão em gaiolas. Na verdade, gaiolas são uma boa representação do sistema educacional brasileiro. Vejamos o nosso modelo de escola: crianças sentadas em cadeiras enfileiradas, grades nas portas e janelas, horários específicos e rigorosos para toda e qualquer atividade. Este modelo de escola não parece funcionar.
Pink Floyd já protestava em 1979 que, de um em um, estávamos formando apenas “novos tijolos na parede”. Basicamente, isso ocorre até hoje. Não estou acusando o ensino tradicional de ser ineficaz. É claro que este trouxe seus benefícios, aliás, a grande maioria de nós viemos da escola tradicional. A questão que quero discutir, é que houve muita pouca atualização neste sistema de ensino. Na grande maioria das escolas, principalmente as públicas, o que ocorre é a valorização do conteúdo que continua sendo transmitido em aulas quase sempre expositivas e de maneira vertical, onde o professor fala e o aluno escuta.
No entanto, este entendimento de escola já está ultrapassado. É preciso ir além. É preciso atualizar. O mundo de hoje é dinâmico e está em constante transformação. O desenvolvimento tecnológico modificou e continua a modificar a nossa maneira de viver, a forma como consumimos, como nos relacionamos e, consequentemente, a maneira como aprendemos. É preciso formar cidadãos que sejam éticos e que saibam viver em sociedade, que saibam lidar com as mudanças e com as diferenças. Além disso, a escola precisa se precisam aprender a lidar com a informação, concentrar na construção ativa do conhecimento. Hoje vivemos a Era da Informação, mas informação sem conhecimento nos leva aonde? Vejamos o cenário que nos encontramos: cada vez mais teorias da conspiração, retorno do terraplanismo, fake news, etc.
Todas as crianças são curiosas por natureza. Perguntam, procuram, fuçam. Mas alguma coisa acontece na escola que tudo isso lhes é tirado. Não basta que a escola ensine o conteúdo pelo conteúdo, mas que ensine como aquele conteúdo pode ser aplicado na realidade do estudante e que o faça de maneira ativa e criativa. É preciso dar voz aos estudantes e ouvidos aos governantes. A escola precisa ser asa e não gaiola!
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