Por Lais Lamar Rodrigues

Imagine olhar para o céu e ver dois sóis. Não, você não estaria em uma estranha viagem por Tatooine, e sim no próprio planeta Terra (ou qualquer outro planeta do sistema solar). Parece estranho pensar nisso, mas um estudo do departamento de astronomia da Universidade de Harvard propõe que, na formação do nosso sistema, o Sol teria uma companheira binária, de mesma massa, com uma distância de aproximadamente 10³ U.A (por volta de 1,5 x 10¹¹ km). O artigo foi escrito pelo estudante Amir Siraj e pelo Doutor Abraham (Avi) Loeb, e publicado em 18 de agosto de 2020.  


Não é incomum um sistema ter dois sóis. Na Via Láctea aproximadamente um terço das estrelas fazem parte de sistemas binários. As estrelas binárias obedecem às leis do movimento planetário de Kepler, e são associadas fisicamente, sob ação gravitacional mútua. Normalmente são vistas como apenas uma estrela a olho nu, e as mais distantes aparentam ser uma única estrela até mesmo quando vistas por equipamentos especiais. A ideia da binariedade do nosso sistema pode explicar várias questões ainda em aberto.


Uma dessas questões seria a formação das nuvens de Oort, na região mais distante do Sistema Solar. A nuvem de Oort é uma nuvem esférica de planetesimais (corpos rochosos ou de gelo, supostamente formados no início do Sistema Solar), localizada além do espaço interestelar, a cerca de 100.000 U.A. (quase 2 anos luz). Essa nuvem é um reservatório de objetos trans-Netunianos — qualquer corpo menor do sistema solar que orbita o Sol a uma distância superior à de Netuno —, e sua ideia foi proposta em 1932 pelo astrônomo estoniano Ernst Öpik, ao postular que cometas de longo período teriam se originado em uma nuvem orbitando na borda externa do sistema solar. Esse conceito foi retomado posteriormente por Jan Oort, que hipotetizou sua existência para explicar o comportamento desses cometas. Ainda não é uma hipótese provada, mas a existência da Nuvem de Oort é amplamente aceita na comunidade científica. "Objetos na nuvem externa de Oort podem ter desempenhado papéis importantes na história da Terra como, possivelmente, transportar água para a Terra e causar a extinção dos dinossauros," disse Siraj.


Outra questão interessante é a existência do Planeta Nove. Se trata de um planeta hipotético, que foi sugerido em 2014. Considera-se que esse planeta tem uma massa 5 a 10 vezes maior do que a da Terra, e sua existência explicaria as órbitas de objetos trans-Netunianos localizados no Cinturão de Kuiper. Diferente das nuvens de Oort, a existência do Planeta Nove é uma teoria que divide os cientistas. Konstantin Batygin, um dos autores do estudo sobre o Planeta Nove, afirma que “neste momento, existem cinco linhas diferentes de estudos com evidências observacionais que apontam para a existência do Planeta Nove". Os cientistas contrários à essa hipótese dizem que Batygin e Michael Brown (também autor do estudo) estão se baseando em dados que contém erros nos fatores climáticos, o que tornaria os cálculos tendenciosos. Controvérsias à parte, se provada a existência desse planeta, o estudo de Siraj e Loeb seria favorecido. Mas a prova conclusiva do sistema solar binário seriam os planetas anões com órbitas semelhantes à do Planeta Nove.


Segundo Loeb, "os sistemas binários são muito mais eficientes na captura de objetos do que estrelas simples. Se a Nuvem de Oort se formou conforme a vemos hoje, isso implicaria que o Sol de fato tinha uma companheira de massa semelhante que se perdeu antes de o Sol deixar seu aglomerado de nascimento."


Num Sistema Solar binário, a órbita do hipotético Planeta Nove seria estável. Isso porque as órbitas dos planetas nesse sistema não iriam ser afetadas pelas oscilações de Kozai-Lidov — um fenômeno dinâmico que faz com que a inclinação orbital e a excentricidade (um parâmetro adimensional que determina o quanto a órbita de um corpo desvia de outro, de forma circular), do corpo perturbado no sistema circular restrito de três corpos, oscile com uma grande amplitude. A existência de uma companheira binária também explicaria a origem de Centauros e objetos trans-Netunianos de alta inclinação orbital.


Ainda que seja apenas uma teoria dentre tantas outras, a existência de uma companheira binária para o Sol pode trazer explicações desde a formação do Sistema Solar até a origem da vida na Terra. Enquanto não há novas evidências que possam embasar essa ideia, apenas podemos assistir Star Wars e imaginar viver em algum planeta do sistema Tatooine.