Por Vitor de Paula Rossi e João Pedro Molina
Olá, caros leitores do Jornal, nesta edição faremos a crítica da novíssima série Mundo Mistério lançada na plataforma Netflix, de produção totalmente brasileira. A série foi produzida e protagonizada pelo youtuber Felipe Castanhari, acompanhado pelo zelador Betinho (Bruno Miranda), pela doutora Thay (Lilian Regina) e pela inteligência artificial nível 1 BRIGGS (Guilherme Briggs).
A série explora diversos fatos científicos e históricos tidos como mistérios (aí o seu nome) ou conspirações muitas vezes incompreendidas por grande parte da população, buscando desvendá-los de maneira simples, descomplicada e até divertida. A série traz um eclético repertório de assuntos interessantíssimos divididos em oito episódios, intitulados: “Os mistérios do Triângulo das Bermudas", "Os 20 milhões de mortos da Grande Peste", "Aprendendo a viajar no tempo", "Do lobo ao cão", "Apocalipse Zumbi. E se fosse real?", "A Grande Extinção", "O caminho para a Superinteligência Artificial" e "Aquecimento Global. Uma grande conspiração?". Eu disse que era bem eclético, mas o mais importante é que todos esses assuntos, que levariam horas para serem discutidos a fundo, foram tratados em episódios curtos e dinâmicos durando cerca de 25 minutos cada.
A dinâmica da série é muito interessante. Os personagens se encontram em um laboratório de pesquisa, Castanhari, a Dra. Thay e BRIGGS desmistificam inúmeros fatos sobre os assuntos, partindo muitas vezes das dúvidas do zelador Betinho, inquestionavelmente o representante da população geral, leiga em assuntos e fatos científicos e históricos. O roteiro é simples: o episódio começa com uma história ou introdução ao fato, Betinho aparece com as dúvidas ou comentários leigos, Castanhari, BRIGGS ou a doutora o corrigem com fatos, representações e animações muito bem elaboradas. As animações são realmente muito boas e esclarecedoras. São inúmeros os destaques, mas vale exaltar a animação da trajetória de um fóton dentro de um trem em movimento vista a partir de um observador dentro e fora do trem. Cito esta animação em específico, pois ela evidencia que os assuntos foram realmente estudados, pesquisados e representados da melhor forma possível. Além das animações, as gravações in loco deram um charme a mais na produção, trazendo imagens exclusivas do Shy Wolf Sanctuari (santuário do Lobo Tímido), do mar de Bermudas, do acelerador de partículas Sirius em Campinas, do Laboratório da USP em São Carlos e até mesmo de um cemitério em São Paulo. Tais viagens garantiram uma fotografia excelente e impecável à série.
A série traz referências da genialíssima série Cosmos e até mesmo a mais antiga, Mundo de Beakman. Por mais que Castanhari não seja um astrofísico renomado como Neil DeGrasse Tyson, é importantíssimo levarmos em conta a excepcionalidade de seu trabalho, abordando os assuntos com ótima precisão histórica e científica, todos trabalhados de maneira leve e descontraída, carregada de um apoio visual fantástico. No entanto, nem todos apreciaram seu trabalho.
Na verdade, a série recebeu muitas críticas pelo fato de Castanhari não possuir formação nas áreas tratadas na série. Não é físico, não é historiador, é um apresentador. Entretanto, acredito que o fato de o apresentador não ser um cientista não tira o mérito de seu trabalho. É claro, existem cientistas que são bons divulgadores da ciência, como é o caso do supracitado Neil DeGrasse Tyson, do querido Carl Sagan e até mesmo do brasileiro Atila Iamarino, que é Biologo, Pesquisador e também youtuber. No entanto, esses casos não são a maioria, ainda mais com o alcance que um youtuber possui nas redes sociais. Felipe Castanhari possui 13,1 milhões de inscritos em seu canal (Nostalgia), enquanto o Atila possui 2,97 milhões no canal Nerdologia e outros 1,23 milhões em seu canal pessoal no youtube. Sagan e Tyson apresentam Cosmos de maneira excelente, mas convenhamos que o tempo e dinâmica da série não atrai qualquer adolescente.
Obviamente que algumas críticas fazem sentido. O ideal seria que pesquisadores e cientistas divulgassem a ciência que fazem, mas sabemos que, na maioria das vezes, não é assim. Além disso, a divulgação e a comunicação científica são áreas carentes de profissionais e vemos constantemente o resultado dessa deficiência. Então por que complicá-la ainda mais? Qualquer pessoa possui meios e potencial para falar de qualquer assunto, entendendo ou não, e vemos mais pessoas propagando mentiras, notícias falsas e conspirações do que divulgando fatos científicos e históricos. Então por que não apoiar a iniciativa? MAAAAAAS, é claro, é preciso ter cuidado e MUITA responsabilidade!
É óbvio que, por exemplo, um físico tem muito mais propriedade para falar de viagem no tempo, mas isso também não significa dizer que somente físicos podem falar sobre tal assunto. Na verdade, qualquer um pode desde que apresente todas as suas fontes e referências! É preciso deixar claro qual livro, qual artigo e qual cientista você consultou para falar de determinado assunto. Sem as fontes você não tem credibilidade, abre espaço para qualquer questionamento pretensioso (ou não) e dá a entender que está tudo bem sair falando de coisas que mal entende, como se o papel de quem estuda ou produz tal conhecimento fosse irrelevante. Nisto, infelizmente, a série falhou.
No entanto, a série contou com assessoria de uma empresa especializada em produção de eventos científicos e conta com alguns nomes responsáveis pela pesquisa e revisão científicas, como alguns professores, doutores e pesquisadores*, mas falhou em apontar as fontes e referências dos dados apresentados.
Por fim, é preciso considerar que o papel e o objetivo de um cientista e de um divulgador de ciência são diferentes. É natural que ao simplificar a linguagem da ciência haja imprecisões. Um apresentador não domina todos os assuntos tal como um especialista da área, tampouco o cientista domina a arte da comunicação como um apresentador, mas a possibilidades de ambos trabalharem em conjunto instiga e talvez seja uma abertura para uma nova era da comunicação científica. Seria perfeito se uma próxima temporada da série contasse com a participação direta de cientistas que pudessem falar com propriedade e apontar todas as fontes de suas informações. Aproximar a ciência do público leigo talvez seja mais efetivo se fosse responsabilidade de um divulgador da ciência o e não de um cientista, já que este está ocupado demais fazendo ciência.
*Referencias da série
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