Por João Pedro Molina
FONTE: https://events.cornell.edu/event/hidden_figures_film_screening_and_celabration_of_nasas_hidden_heroines |
Em geral, a história do lançamento da Friendship 7 foi bastante conturbada. Enquanto a URSS já havia alcançado o espaço quase um ano antes, a frustrada agência norte-americana enfrentava inúmeros problemas de lançamento e sofriam uma forte (dor de cotovelo) pressão do governo e também da população que temiam os soviéticos. “Quem chega primeiro, dita as regras”, não é? Mas… não, na verdade, não foi bem assim. Apesar de a URSS ter alcançado o espaço primeiro, o sucesso da missão (Mercury-Atlas 6) colocou os EUA de volta ao páreo e permitiu que alcançassem a Lua sete anos depois, mudando toda a possível história da exploração espacial.
Todo este acontecimento já daria um filme e tanto, não acha? Com certeza! No entanto, não podemos ignorar, e nem o filme ignora, os problemas sociais que infligiam a sociedade norte-americana na época, que, além do sexismo, passavam por um período conflituoso de discriminação racial. Ser mulher não era fácil, quem dirá ser mulher e negra. A abordagem destes fatos traz ainda mais relevância e grandiosidade para os feitos de Katherine, de Mary e de Dorothy. Não que o filme se apoie ou romantize o sofrimento oriundo da discriminação para enaltecer as protagonistas, pelo contrário, retrata a realidade em que elas viveram e a percepção desta é que nos evidencia como, apesar de toda dificuldade, elas batalharam e se tornaram grandes matemáticas e entraram para a história, se tornando verdadeiras “Estrelas ‘muito’ além do tempo” em que viviam!
O setor de “computadores” da NACAS (agência percursora da NASA) era responsável por realizar, manualmente, cálculos para a equipe de engenheiros e, por conta da segregação racial, era dividido em dois grupos: o de mulheres negras e o de mulheres brancas. Dorothy Vaughan foi a primeira a ingressar no grupo segregado do West Area Computers, em 1943, e demonstrou seu valor como uma excelente matemática e gestora, tendo sido a primeira afro-americana a assumir um cargo de gestão na agência em 1949. Mais do que por sua habilidade matemática, Dorothy é lembrada por ser uma grande líder e defensora das mulheres com as quais trabalhava. Se antecipando à instalação do primeiro computador eletrônico IBM, Dorothy dedicou esforços à programação, se tornando uma das primeiras especialistas em FORTRAN e passou a integrar a nova Divisão de Análise Computacional (ACD) da NASA, levando com ela sua equipe de computadores. Dorothy também possuía excelente habilidade para delegar, tendo total confiança dos engenheiros para suas recomendações. Foi ela quem indicou Mary Jackson para o engenheiro e Kazimierz Czarnecki e Katherine Johnson para a equipe de lançamento as missões do Grupo de Pesquisa de Voo.
O trabalho de Mary junto a Czarnercki consistia no desenvolvimento de um túnel de pressão supersônico, com cerca de 60 mil cavalos de potência, capaz de produzir correntes de vento com até o dobro da velocidade do som. Após receber um convite para participar de um programa de treinamento que a permitiria atuar como engenheira, Mary teve que confrontar mais uma vez a discriminação racial, sendo obrigada a pedir permissão especial para cursar as disciplinas quando programas eram ministrados na escola secundária segregada de Hampton. Depois de ter se tornado a primeira mulher negra engenheira da NASA Mary decolou em uma carreira profissional exorbitante, tendo se destacado como engenheira aeronáutica. No entanto, apesar de todo seu prestígio, abandonou a engenharia e fez uma mudança radical em sua carreira, sendo rebaixada para preencher o cargo de Gerente do Programa Federal Feminino de Langley, onde trabalhou para impactar a contratação e promoção de novas mulheres matemáticas, engenheiras e cientistas da NASA.
A outra indicação certeira de Vaughan foi Katherine Johnson. Apenas com duas semanas como computadora foi indicada para participar de um projeto para a Divisão de Pesquisa de Voo da NACA’s e lá permaneceu por quatro anos até que, em 1957, quando Sputnik alcançou a órbita terrestre, houve uma mudança radical na agência espacial norte americana e Katherine passou a integrar o Grupo de Tarefas Espaciais responsável pelas missões espaciais da agência.
É claro que sua integração no grupo não ocorreu de maneira fácil, pois apesar de brilhante ela estava sujeita à segregação e, portanto, possuía restaurante, bebedouro e banheiros distintos dos outros profissionais da agência, além de ser sub julgada e menosprezada à todo momento. Mesmo assim, Katherine Johnson ganhou destaque e se tornou a primeira mulher a ganhar crédito por suas contribuições ao programa espacial. Sempre esteve envolvida nas missões de lançamento da NASA, desde o lançamento do primeiro voo espacial norte americano feito por Alan Shepard em 1961 até à missão Apollo 11 que levou o homem à Lua em 1969.
No entanto, assim como retratado no filme, um dos feitos que mais a tornou conhecida foi o fato de que o astronauta John Gleen, no checklist de preparação para o voo, pediu para que Katherine refizesse os cálculos da trajetória que foram obtidos pelos computadores. “Se ela disser que estão certos, aí estou pronto para ir”. E assim foi feito. Katherine chegou nos mesmo resultados e Gleen fez um voo tranquilo (quase), mudando o futuro da exploração espacial.Toda essa história é muito bem retratada pelo filme.
De fato, uma das maiores qualidades do longa é o equilíbrio em que o roteiro trata a história das três protagonistas, o cenário político nos EUA e o fato histórico que foi a missão Friedship 7. Além disso, Estrelas além do tempo retrata fielmente a bibliografia de Katherine, de Mary e de Dorothy, dando o devido valor às suas conquistas sem dar destaque aos preconceitos ou menosprezar os sofrimentos pelos quais passaram.
Por fim, podemos dizer que Estrelas além do tempo é um ótimo filme que faz jus à quantidade de premiações que recebeu. Também, podemos afirmar que este é um filme extremamente necessário para retratar as injustiças, os preconceitos e as dificuldades que tentavam impedir a genialidade de três grandes mulheres que mudaram a história da corrida espacial.
0 Comentários