Por Kelvin Santos
Silvana Giuliatti possui bacharelado em Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, mestrado e doutorado em Física Aplicada à Medicina e Biologia pela Universidade de São Paulo. De 1994 a 1997 frequentou o Imperial College de Londres, St. Marys Medical School, desenvolvendo seu projeto de doutorado. Em 2015 obteve seu titulo de Livre-Docência pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.
É professora associada da Universidade de São Paulo junto ao Departamento de Genética da Faculdade de Medicina e Ribeirão Preto.
Sua área de pesquisa consiste em Física com ênfase em Bioinformática. Na entrevista via email ela conta sobre seu período de graduação, pós graduação, suas pesquisas e como é ser mulher na universidade.
Kelvin Santos: Sabemos que o curso de física é um curso difícil, e que muitas vezes os estudantes têm dificuldades e alguns até desistem. Como foi o seu período de graduação, encontrou dificuldades também?
Silvana Giuliatti: Acho que isso é esperado, pois o ritmo do colégio é bem diferente do ritmo de um curso de graduação.
Apesar de não ter tido nenhuma reprovação durante a faculdade, tive sim dificuldade no meu primeiro ano, principalmente no primeiro semestre. Tive dúvidas também, pensei em mudar para engenharia civil, pois sabia que queria algo aplicado, mas não sabia o que.
Muitos colegas de turma desistiram, mudaram de curso ou mudaram para licenciatura em Física.
Kelvin Santos: A senhora tem mestrado e doutorado em Física Aplicada à Medicina e Biologia e desenvolveu seu projeto de doutorado e no Imperial College de Londres, St. Marys Medical School. A senhora pode nos falar um pouco de como foi o período de pós-graduação? Houve muitos desafios?
Silvana Giuliatti: Meu mestrado foi o primeiro contato com Física aplicada que era o que eu queria. Mesmo desenvolvendo o projeto dentro do Hospital das Clínicas da USP, estava cercada de físicos, com pouco contato com médicos e biólogos.
No doutorado, durante o desenvolvimento do projeto, que foi feito inteiramente no Imperial College, foi quando comecei a ganhar experiência com pessoas de outra formação e meu interesse pela área aplicada à medicina aumentou ainda mais.
Nesses quatro anos em Londres foi onde tive meus maiores desafios, pois lá você é responsável por todo o seu projeto, diferente da USP onde temos funcionários e técnicos que auxiliam os pós-graduandos.
Por isso, como meu projeto envolvia cobaias, foi a a primeira vez que fui pra bancada. Foi lá também que desenvolvi muito a minha habilidade em programar. Além disso, tinha o desafio da língua inglesa.
Resumindo: foi uma experiência pessoal e profissional maravilhosa.
Kelvin Santos: A senhora estuda Física Aplicada à Medicina e Biologia com ênfase em Bioinformática, na nossa faculdade particularmente, poucos estudantes do curso de física têm contato com uma área tão multidisciplinar. A senhora poderia falar um pouco sobre como teve contato com a área e sobre suas pesquisas Exige muitos conhecimentos sobre Biologia?
Silvana Giuliatti: Durante minha graduação eu fui visitar alguns lugares onde poderia fazer mestrado que fosse com Física aplicada em alguma coisa... Física teórica era a única coisa de que eu tinha certeza de que não queria fazer.
Fui visitar UNICAMP e ITA e nada me parecia interessante, até que u colega da turma me disse que estava fazendo um estágio em radiodiagnóstico e radioproteção no HC da USP em Ribeirão Preto. Achei interessante e comecei a fazer IC com um professor da UNESP - Rio Claro, Prof. Bucalon, que orientava nesse programa de pós-graduação.
Foi quando descobri o que eu queria fazer, assim que terminei a graduação prestei a prova de seleção e no ano seguinte iniciei o mestrado. Foi o único programa de pós-graduação em que me inscrevi. Não tentei mais nenhum outro programa.
Depois que voltei de Londres, a era genômica estava em alta no Brasil, pois os primeiros grupos estavam se formando. Um profissional da área de exatas, que sabia programar e com formação aplicada à biologia e medicina era muito bem vindo nesses grupos. Quase não havia profissionais com esse perfil. Foi quando comecei a atuar na Bioinformática e hoje a linha de pesquisa principal em meu laboratório é Bioinformática estrutural que envolve modelagem, docking e dinâmica de estruturas moleculares.
Quanto aos conhecimentos sobe Biologia, eles vão se consolidando naturalmente. A partir do momento que você começa a viver num mundo interdisciplinar você vai absorvendo os conceitos e quando você percebe já está liderando grupos com médicos, biólogos, físicos, e tudo se torna natural.
Mesmo assim, ainda tenho que aprender muito. Cada projeto novo, cada vírus, cada bactéria, cada proteína nova pra mim, exige um tempo de estudo. Mas, isso é desafiador.
De qualquer forma, são conhecimentos extras. Serei sempre uma Bacharel em Física, de corpo e alma, com MUITO orgulho!!
Kelvin Santos: Sabe-se que o ambiente acadêmico infelizmente ainda é majoritariamente masculino, há uma diferença de tratamento pelo fato da senhora ser uma mulher nesse ambiente?
Silvana Giuliatti: Eu nunca fui tratada de forma diferente durante minha graduação ou minha pós-graduação, pelo menos não que eu lembre.
Por ironia ou curiosidade (não tenho certeza...), o fato de eu ser mulher, Bacharel em Física, sem nenhuma reprovação (esse é o lado irônico...), me dá um certo status no meio que atuo que, às vezes, intimida essas pessoas que, numa outra situação, eu tenho certeza de que me tratariam de forma diferente. Mas, muita coisa mudou e muita coisa ainda vai mudar. Isso é um bom sinal.
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